Que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada*

Waidd Francis de Oliveira – Psicanalista, Professor da FDCL e membro da ACLCL

Normalmente cada época é marcada por tendências, modismos e, consequentemente, modos de pensar e agir condizentes com estas mudanças. Não é diferente com relação às enfermidades. Basta pensar que passamos recentemente por uma pandemia que acarretou diversas mudanças de hábitos e ainda estamos envoltos às suas consequências.

Para muitos, o século XXI chegou carregado de problemas neuronais e, diga-se de passagem, a pandemia acirrou ainda mais este quadro.

Os diversos transtornos, alguns novos e outros velhos conhecidos, assombram crianças, jovens, adultos e até idosos. Quadros como a depressão, síndrome do pânico, síndrome de hiperatividade, transtorno de personalidade limítrofe ou a síndrome de Burnout fazem parte do dia a dia de muitos de nós.

Para alguns estudiosos, como o filósofo Byung-Chul Han, um dos problemas que têm causado muitos transtornos na sociedade atual é o excesso de positividade – uma cobrança de tempo útil constante, sem limites, impulsionado por conexões que trazem como consequência um esgotamento, por vezes, imperceptível. Um cansaço velado, sorrateiro, diferente do cansaço físico tradicional.

Essa necessidade de desempenho não tem limites, cobra-se a conexão, a popularização, o corpo ideal, o lugar ideal, a relação perfeita – até a própria perfeição em pessoa.

Sermos nós mesmos chega a incomodar – queríamos outra vida, outra viagem, outro trabalho, outro companheiro ou companheira – queremos tudo aquilo que não é nosso, que não está ao nosso alcance, e isso gera frustração e, muitas vezes, depressão. Perdemos o elo simplesmente por termos dificuldade em nos aceitar do jeito que somos. – ou estar no local onde estamos

1 Acabamos envolvidos em uma repetição sem fim, uma repetição interminável de rituais de trabalho, de vida social e privada que nos leva a automação. Até o sonho já está pronto, muitas vezes sonhos que não nos pertencem.

2 A doença não vem do excesso de responsabilidade, mas da necessidade de um alto desempenho dentro desta responsabilidade assumida. É a verdadeira guerra consigo mesmo: a criação de metas inatingíveis.

3 Esse excesso de positividade, de poder fazer tudo, de conseguir ser outra pessoa, ter outro trabalho, outro relacionamento, é na realidade um excesso de estímulos, de informações e impulsos.

4 Muitas vezes, estes estímulos originam-se da própria rede virtual, de forma lenta e gradual, e transformam-se em algo extremamente nocivo à saúde mental.

5 A ideia da positividade, do desempenho acima de tudo não nos permite qualquer sentimento negativo, nenhuma frustração. A exploração desloca-se do ambiente externo para o interno.

1 Diante da necessidade de mantermos ações úteis o tempo todo, acabamos por considerar os momentos vazios, sem obrigação, sem a dita positividade, como tediosos. Momentos que deveriam ser de relaxamento, de contemplação, de lembranças, transformam-se em momentos ociosos e, portanto,  não – úteis.

2 O repouso está escasso. Com isso, as pessoas andam nervosas, inquietas. A ausência de fé, não a religiosa, mas à própria realidade, transporta tudo e todos para um estado efêmero, descartável. Não há crença nem mesmo no amanhã.

3 Essa aceleração retira a importância de tudo. Sem valor tudo torna-se transitório. E, diante de toda essa pressão busca-se outros caminhos, outros alívios.

4 As relações humanas sofrem diariamente inúmeras influências com relação à comunicação. O avanço da tecnologia e a potencialização das redes sociais tem como consequência a migração das relações para o seu interior. Com isso, surgem ambiguidades na relação com as pessoas, possibilitando uma aproximação fictícia mas,  ao mesmo tempo, um distanciamento real.

5 As novas técnicas de comunicação afastam a relação real com o outro, a verdadeira alteridade fica em segundo plano, ficamos distantes da realidade do nosso meio. Há um encontro narcísico profundo e apático.

6 Atualmente muitas pessoas investem metade da sua libido em si mesmas, e a outra metade perde-se em relações superficiais e passageiras. Nas redes sociais o ego narcísico torna-se quase uma mercadoria. Inicia-se um processo de valorização somente daquilo que é visto e exposto e, não vivido.

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