A alma nobre de Lafaiete: Dona Luiza Biagioni

Acad. Moises Mota, presidente da ACLCL

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Há criaturas que nascem fadadas a dedicar suas vidas às dos outros. Para elas, o conceito de solidariedade humana é muito mais do que o sentimento nobre – é quase uma religião. Quando se aproxima da dor e do desespero, para ajudar seus semelhantes, obedecem a um imperativo da própria natureza, a um impulso emocional irresistível. Melhor do que os outros, sempre acham que a palavra de carinho que consola e alivia e transmitem a mensagem de confiança que mitiga e faz renascer a fé. Acompanham com interesse e desvelo todas essas fases atribuladas da vida de cada um e quando se desfazem os últimos vestígios da tormenta rejubilam-se, como se fossem elas próprias que acabassem de reconquistar a paz interior. Luiza Isabel Biagioni é uma dessas criaturas. Como sub-chefe da Divisão de Serviços Sociais da CSN é a boa samaritana do Setor de Lafaiete. Sente especial satisfação em ser útil aos seus companheiros e, em compensação, é queridíssima por todos eles. No exercício de suas funções não tem mão a medir. Desdobra-se em múltiplas atividades e jamais deixa de atender com solicitude aos reclamos de sua presença.

“O Lingote, 10/07/1954”

“Fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas, nas mãos que sabem ser generosas.” Este é um trecho de uma bela canção composta nos anos 70 pela Irmã Missionária de Jesus Crucificado, Judith Junqueira Vilela. Pode-se dizer que esta canção reflete a essência da vida de nossa querida Dona Luiza Biagioni, filha de imigrantes italianos, lafaietense de corpo e alma, cristã fervorosa, Professora, Advogada e Acadêmica Emérita da ACLCL.

Dona Luiza dedicou sua vida com amor e devoção à Família Biagioni e aos menos favorecidos. Sua generosidade tocou o coração de pessoas, famílias e de toda a nossa cidade. Gentil e firme na mesma proporção, mantinha sua nobreza de alma acima de qualquer situação e superou, com coragem e dignidade, as adversidades da vida. Serviu ao povo sem precisar de cargos ou títulos, seu serviço era movido pelo puro amor ao próximo.

Sobre isso, há uma história contada pela própria Dona Luiza. Certa vez, foi interpelada por um famoso líder político que gostaria de tê-la como candidata a vereadora. Ela, com sua sabedoria inata, respondeu: “As pessoas vão pensar que terei muitos votos, que não precisarão votar em mim, então dedicarão seus votos a outro para ajudá-lo, e assim eu ficaria só com o meu voto e mais meia dúzia.” E soltava aquela gargalhada ajustando as lentes dos óculos. Assim era D. Luiza, abnegada ao próximo sem exigir sequer um voto de confiança. Desprendida, do nascer ao pôr do sol, sua vida foi uma contínua dedicação aos menos favorecidos, à solidez familiar e à ajuda mútua.

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Em reconhecimento a seus relevantes serviços, o legislativo municipal, por meio do Vereador Alfredo Laporte, lhe outorgou, em novembro de 1990, o título de Cidadã Benemérita da cidade. A Resolução 33/1990 foi uma justa homenagem à sua atuação à frente do Departamento Municipal de Educação e Cultura, antes da criação das respectivas secretarias. Sua liderança foi tamanha que, com parcos recursos municipais, ainda na década de 70, conseguiu inaugurar a Escola Municipal Prof. José Lobo da Silveira, que continua em atividade, e participou ativamente do início das obras da antiga Escola Estadual Inconfidência, que hoje dá nome a Profa. Maria Augusta Noronha.

Dona Luiza também atuou voluntariamente no fórum municipal de Conselheiro Lafaiete, no juizado de menores. Uma de suas muitas histórias ilustra bem sua capacidade de empatia e ação. Certo dia, uma criança chegou ao fórum chorando, pedindo a ela para retirar o pai do convívio familiar devido ao excesso de bebida e agressividade. O jovem não aguentava mais aquela situação.

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Foto: Mauro Dutra de Faria

Comovida com o pedido, Dona Luiza anotou o endereço do menino e, sem avisar, foi até sua casa. Chegando lá, sentou-se à mesa junto do pai e contou o que seu filho mais velho havia pedido no fórum. Com sua maneira assertiva e acolhedora, fez o pai refletir, ajudou-o em sua necessidade e preservou aquela família. Anos depois, foi convidada pelo jovem para sua formatura colegial e lá estava Dona Luiza, sentada com todos eles – pai, mãe, irmãos – felizes e contentes. Seu trabalho no fórum foi reconhecido com a outorga da Medalha Desembargador Hélio Costa, entregue em dezembro de 2013 pelo poder judiciário.

Dona Luiza trabalhava em silêncio e com profundo impacto. Uma passagem que marcou sua vida foi a tragédia ocorrida com os funcionários da CSN – Casa de Pedra em 1956, conforme resgata o escritor Pedro de Lima Belisário: “Nem tudo foram flores, e os espinhos dos imprevistos da vida marcaram as almas e deixaram cicatrizes incuráveis. Na rodovia BR-03, em 23 de julho de 1956, numa segunda-feira de inverno rigoroso, com muita neblina, o caminhão de transporte L-210, prefixo TC/05, foi abalroado por outro, em sentido contrário e em alta velocidade. Dezenas de mortos e feridos. O jornal oficial da CSN, O Lingote, noticiou essa tragédia, que também foi descrita no livro de Cecílio Caetano, “Sua História, Suas Histórias”, relatando fatos e nomes de todas as vítimas. Essa foi a missão mais árdua e dolorosa de que a serventuária Luíza Izabel Biagioni participou[…]”

Certa vez, em um mês de maio, saindo das coroações na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, Dona Luiza me contou sobre o velório coletivo realizado na porta da Igreja Matriz. Todos os caixões foram colocados na escadaria principal e ali o Cônego José Sebastião Moreira realizou as exéquias. Dona Luiza, com sua liderança, coordenou todos os trabalhos e consolou a todos em seus lutos e tristezas.

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Foto: Mauro Dutra de Faria.

Católica fervorosa, abraçou por toda a vida a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Colaborou incansavelmente com os párocos que ali estiveram, organizando as finanças, nos ritos litúrgicos e executando os projetos sociais. Foi coordenadora da Pastoral do Batismo, onde aos domingos realizava os cursos para padrinhos e pais. Também dirigiu o Cemitério Paroquial. Brilhante em tudo que fazia, deixa um legado imenso, uma saudade indizível e um sentimento de gratidão que emana de toda a cidade, que lhe deve muito.

Este breve resumo não retrata sequer 1% dos feitos desta mulher extraordinária, que retornou à casa do Pai no último dia 17. E assim, posso acreditar, mesmo que inconscientemente, que a canção “Fica sempre um pouco de perfume” é uma homenagem também a esta querida confreira e amiga Dona Luiza Biagioni, de quem sentirei grande saudade.

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