
Será que alguma coisa nisso tudo faz sentido?*
Waidd Francis de Oliveira
Psicanalista, Professor da FDCL e membro da ACLCL
Em 1908, Sigmund Freud mencionava as inquietações geradas pelas transformações que ocorriam no mundo, ou ao menos em parte dele. Naquele tempo, o esforço de cada indivíduo para acompanhar e compreender as mudanças trazidas pela modernidade consumia boa parte de sua libido, causando inquietações e até frustrações. Novas tecnologias, como o telégrafo, o telefone e as viagens de trem, já começavam a dificultar a separação entre a vida social e a profissional.
Ao observarmos o mundo de hoje, percebemos certas semelhanças com aquela época: a urgência em realizar tarefas, crises políticas, industriais e financeiras, agitação eleitoral e guerras. Tudo isso, por vezes, nos leva a um estado de angústia. Revisitar o texto “A moral sexual ‘cultural’ e a doença nervosa moderna”, de 1908, nos dá a impressão de que Freud estava descrevendo o momento atual.
A internet, que nos proporciona tantos benefícios, para muitos tem se tornado um instrumento de frustração. No século XXI, estamos sempre conectados, com a possibilidade de saber instantaneamente o que acontece em qualquer lugar do mundo. Mas o que, de fato, nos interessa em meio a tanto? Qual o preço que pagamos pela ansiedade de saber tudo sobre tantas coisas?
Muitos de nós esperamos por um final feliz, e, por isso, aceleramos a vida na tentativa de alcançá-lo. Mas onde estão os ritos que nos conectam ao presente, como provoca Byung-Chul Han em “A Sociedade do Cansaço”? A psicanalista Carol Tilkian menciona que o Brasil é o segundo país onde as pessoas passam mais tempo na internet. Se tudo seguir assim, segundo ela, passaremos 54% do nosso tempo conectados.
Com a fascinação pela internet, surge o declínio da intimidade. Toda a nossa vida parece interessar a alguém: como acordamos, o que comemos, vestimos, escolhemos e como nos divertimos. Mas quem é esse outro? Parece que nossa existência depende da imagem que projetamos, uma imagem que se torna cada vez mais dependente do olhar alheio. Até onde vai a nossa produtividade? O desejo de ser a nossa “melhor versão” parece nos aprisionar. Algumas redes sociais já nos alertam para o perigo de realidades criadas ou, no mínimo, editadas.
Em meio a tantas informações, surge a angústia. E como ficam as relações humanas? A instabilidade nos leva a tentar controlar a nós mesmos. O ego, segundo o psicanalista Marcelo Veras, não se forma sozinho, mas a partir do outro. Somos moldados pelas narrativas que nos cercam. Nossos desejos e sonhos, muitas vezes, são prontos e nem sempre são genuinamente nossos.
No livro “Ridículas Cartas de Amor”, de Maria do Rosário Rivelli, há um trecho que ilustra bem a situação de muitos de nós: “Conclamo você a desejar de novo. Desejar além de si mesmo. Sair da redoma que construiu para se esconder nela. Ser adorado apenas. Isso é desistir de viver para se tornar ídolo de si mesmo.”
Muitas vezes, o espetáculo da vida é gravado para ser assistido mais tarde. Mas quando?
*Lágrimas e chuva – Kid Abelha
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