Isso explica porque o sexo é assunto popular*

Waidd Francis de Oliveira
Psicanalista, Professor da FDCL e membro da ACLCL

Atualmente, em muitos lugares, a sexualidade e, principalmente, as suas diversidades, são tratadas como um tabu. Em diversas sociedades, perante algumas religiões e até em razão de determinados costumes, a sexualidade foi e ainda é utilizada como uma forma de classificação e, por vezes, controle sobre as pessoas.

Na cultura ocidental, a elite intelectual, política, religiosa, e até o próprio Estado, sempre se valeram da utilização de mecanismos de controle para criar paradigmas de condutas na sociedade, baseadas nas preferências sexuais que seriam consideradas normais ou anormais entre as pessoas, geralmente embasadas na visão das instituições citadas, ou nos interesses de seus eventuais ocupantes.

Podemos perceber que sempre existiu uma preocupação em regular a prática sexual, tanto no sentido da regulamentação em si, criando regras próprias para a sua prática, como também no sentido da proibição. Em cada época essa preocupação despertou em determinadas instituições o interesse sobre esse dito controle. Essas forças sempre trabalharam muito mais no sentido de reprimir a sexualidade do que entendê-la e sucessivamente libertá-la, permiti-la ou conviver com ela.

As práticas ditas contra a natureza, consideradas aquelas que se desviavam da função reprodutiva, alterando a ordem natural, quase sempre eram colocadas na perspectiva moralista, trazendo à discussão os perigos do sexo solitário, como a masturbação e o coito interrompido, tudo isso com o propósito implícito na construção dessa moralidade repressora.

A Psicanálise é desafiada diariamente para atualizar a sua interpretação perante novos desafios e mudanças de comportamento. Mesmo assim percebe-se que muito daquilo que aflige a sociedade hoje é fruto da mesma repressão que acontece desde o passado.

Em 1905, Freud lança a obra “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, desmistificando teorias que circulavam na sociedade até aquele momento. Freud trata do abandono da ideia de pulsão natural versus pulsão perversa, trazendo o debate para o centro da diferença entre o objeto sexual e a finalidade sexual. Nesses ensaios  fica nítido que a sexualidade de cada ser humano é única, particular e dotada de grande subjetividade, o que possibilita uma compreensão mais elaborada da questão sexual.

Dentro desse contexto, o Psicanalista e professor Márcio Garrit enfatiza que os desejos não são conservadores, mas a pressão para ser enquadrado em um sistema, em um modelo, é muito forte. Isso muitas vezes gera crise de identidade entre aqueles que não se enquadram no modelo binário desenvolvido como meio de controle da sexualidade.

Nem mesmo as revoluções sexuais como a dos anos 1960 deixaram inalterados os conflitos psíquicos. Os discursos moralizantes que sempre fizeram parte da cultura  tentaram impor comportamentos baseados nas diferenças anatômicas, criando uma subcultura ao tratar sobre a questão da sexualidade. A sociedade avançava e sofria mutação em quase todos os temas, mas com relação à sexualidade a dinâmica não era a mesma.

Quanto mais a sociedade caminha na conquista de direitos e liberdades, muitos deles consagrados em nossa Carta constitucional, mais acentuada, apresentam-se as consequências da ideia de criação de parâmetros com padrões pré-estabelecidos, levando àqueles que eram considerados aberrações no passado, a adoecerem no presente, diante da imutabilidade dos conceitos e do discurso sexual limitante.

O controle da sociedade por meio da repressão sexual ainda é uma constante. Segundo Freud a sexualidade é algo que será construído, e com isso, necessário torna-se a liberdade de se construir a dita sexualidade de forma subjetiva, baseada nas experiências e concepções que cada um tem sobre suas próprias necessidades e desejos e interesses.

Fato é que, a dinâmica da sociedade, inclusive com alterações na própria cultura,  composta por seres desejantes e conscientes dos seus direitos que nutrem a possibilidade de escolherem as suas preferências de forma ampla, e a sexualidade não se faz exceção a essa liberdade.

A retirada das amarras que acabam por delimitar desejos e consequentemente a satisfação é um desafio a ser enfrentado pela (Psicanálise ou pela sociedade) ainda no século XXI.

* Chão de Giz – Zé Ramalho.

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