Grupo Escolar Domingos Bebiano

Acad. Wilson Baêta de Assis

As recordações que trago da infância, são aparas de um tempo venturoso onde a fantasia é o cenário de um mundo encantado. Algumas, de tão claras lembranças parecem trazer o passado de volta. E à medida que se descortinam revelam o sentimento de uma criança, que sem perceber guardava no coração imagens de uma época maravilhosa. Lembranças auspiciosas que marcariam sua caminhada sempre vivas na memória.

Grupo-Escolar-Domingos-Bebiano Grupo Escolar Domingos Bebiano
Grupo Escolar Domingos Bebiano – crédito: Foto Postal Colombo

Janeiro de 1950. Recém-chegado do interior, ainda se recuperando de uma enfermidade, morava em uma casa modesta próximo da linha férrea, no Bairro Fonte Grande. Aos nove anos fui levado não me lembro se por meus pais, ou por algum de meus irmãos mais velhos para ser matriculado no primeiro ano primário.

Tudo me parecia diferente naquela manhã ensolarada. Novidades surgiam a cada esquina que virava subindo a ladeira, não imaginando que aquele trajeto nos anos seguintes marcaria profundamente meus primeiros anos de vida. Em meio às surpresas do trajeto, rumava para onde seria o ponto de partida do desabrochar do conhecimento. Cada rua por onde passava iria contribuir efetivamente na formação de um imensurável tesouro de recordações. Rua Saldanha Marinho, Rua Silva Jardim, Rua dos Inconfidentes, Rua Sandoval Azevedo, e Avenida N. S. do Carmo.

De repente no final do percurso a surpresa maior. Diante de um prédio enorme permaneço por alguns instantes como que hipnotizado, jamais tinha visto uma casa assim tão imponente. Residindo aqui já há alguns meses, as residências do meu bairro, o meu mundo então conhecido, eram casas simples, nenhuma se comparava com aquela que ali estático admirava. Extasiado perlustrava cada detalhe, janelas gigantescas, grossas colunas, relevos artísticos, fachada imponente.

Ao passar pelo portão principal, olho para a esquerda, vejo uma capela de cor amarelada, duas torres abobadadas, portas e janelas fechadas, toda empoeirada à beira do caminho. Era a Capela de N. Senhora do Carmo, pouco tempo depois demolida. O caminho, a “Estrada Real.” – Naquele tempo, “Estrada de União e Indústria”, hoje Avenida Nossa Senhora do Carmo. 

Já nas dependências do prédio, subo uma escadaria alcanço um patamar. À minha frente um corredor e outro à direita, em ambos, várias salas. Continuando, vejo uma mais ampla, tapetes, flores, móveis, e em destaque um piano. Era a sala da Diretoria. Logo fui chamado para o exame. Uma professora que não fiquei sabendo seu nome fez-me algumas perguntas simples, avaliando obviamente o meu grau de raciocínio. Anotou mais alguns dados a meu respeito e fui matriculado.

Voltando pelo mesmo corredor lanço os olhos outra vez para a sala da diretoria, atraído por uma melodia que alguém tocava ao piano. Alguns meses depois, não sabendo o critério da escolha, fui levado por minha professora D. Francisca Pinheiro a participar do ensaio com alunos de outras classes, de uma peça musical recreativa intitulada “Branca de Neve e os Sete Anões”. Eu fui um dos anões e a professora de canto era uma jovem muito bonita, seu nome: D. Elza.

Ao sair pelo portão, o mesmo que a pouco havia entrado, caminhando e olhando para traz, fui dando conta de que agora era aluno do Grupo Escolar Domingos Bebiano. Com o passar dos dias, gradativamente ingressava-me no vasto mundo do desconhecido.

Naquele mesmo ano fiz minha primeira comunhão. Foi uma época de grandes acontecimentos litúrgicos na Igreja Matriz N.S. da Conceição, o Papa Pio XII, proclamara naquele ano a Assunção de Maria. Provavelmente aproveitando os festejos relativos àquela proclamação papal, a razão daquela cerimônia Eucarística nas dependências da Escola. A direção do Educandário, com a supervisão do Padre Álvaro Correa Borges, juntamente com algumas abnegadas mestras, providenciaram para que os alunos menores fizessem a sua primeira comunhão. Guardo como relíquia a foto tirada naquele dia nas escadarias da escola.

À medida que o tempo passava, e os anos se sucediam crescia em mim um sentimento de afinidade a tudo que se relacionava com aquela casa de ensino. Um novo mundo se descortinava à minha frente. No pátio, perfilados, antes do início das aulas, cantávamos o Hino Nacional, ou o Hino à Bandeira. Logo após, em fila indiana caminhávamos em direção à sala. Entrávamos, permanecíamos de pé, depois de uma breve oração, iniciavam-se as aulas.

A hora da merenda e do recreio era aguardada com impaciência. Correria, algazarra, troca de figurinhas, jogo de tampão com os cromos repetidos, e tantas outras brincadeiras no pátio da Escola. Em época de chuva todos brincávamos no galpão, não havia ali divisória, no entanto, as meninas brincavam de um lado e os meninos do outro, não havia invasão. A cada dia um novo colega, uma nova amizade era parte daquilo que mais parecia uma grande família. Não me lembro ter presenciado nenhum ato de indisciplina por parte de algum aluno, ou qualquer outro incidente que viesse macular aquele clima de amizade e mútuo respeito.

Uma enorme expectativa se acercava dos alunos com a chegada dos cartazes alusivos ao primeiro livro. À medida que íamos entendendo, chegava o outro. D. Francisca Pinheiro, dona Chichica como alguns a chamavam, enrolava e pendurava-o no quadro negro, desenrolando-o gradativamente até aparecer a figura. O primeiro cartaz era o da “Lili”, depois o do “Joãozinho”, e assim sucessivamente. O primeiro  dizia: “Olhem para mim/Eu me chamo Lili! / Eu comi muito doce. / Vocês gostam de doce? / Eu gosto tanto de doce!” Em folha a parte recortávamos as sílabas, colando-as, aprendendo assim a formar as palavras.

Por mais que eu tente perscrutar a memória na ânsia de encontrar algo mais forte e vibrante, que possa ter marcado minha infância, nada se compara às imagens, aos personagens, e aos fatos relacionados com aquele educandário. Subindo ou descendo a ladeira, indo ou voltando da aula, os acontecimentos que de mim se acercavam tinham um co-relacionamento com aquela casa.

Na época de ouro do rádio brasileiro, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro detinha o maior índice de audiência. Quase todas as famílias, sem distinção social possuíam em casa um aparelho de rádio. Subindo a Rua Sandoval Azevedo, meio dia, sol a pino, de uma casa à direita da rua, ouvia-se os comerciais musicais no intervalo dos programas radiofônicos. – “Motorista de ônibus de praça/ particular ou lotação respeite o sinal/ não ande contra mão/ Salve o motorista do Brasil/ que é freguês da Mil”.

Outro igualmente inesquecível. Jornaleiro dá-me um jornal feminino/tem molde e costura lições para a mesa/ que bela leitura, eu fico à janela/ esperando o jornal da minha novela.

A vida é repleta de fatos que marcam nossa caminhada, cujas lembranças muitas se apagam em meio aos ásperos descaminhos da jornada. Outras permanecem imorredouras guardadas no coração. A razão mais plausível que encontro para explicar as que nos acompanham pela vida, é que algo maior está por trás daquelas lembranças.

A luz do conhecimento e do saber afugentando as trevas, um novo mundo se descortina à nossa frente. O apego às mestras, em especial a primeira professora, esta, sem percebermos torna-se uma espécie de segunda mãe. O convívio com os colegas, as brincadeiras coletivas, e outras atividades de lazer, sem dúvida, são laços afetuosos que nos prendem de uma forma indizível e imperecedoura.

O dia 28 de setembro de 1952 jamais esqueci. Na tarde do dia anterior, por volta das 18,30 horas, falecia em um desastre automobilístico, nas proximidades de Pindamonhangaba SP o cantor Francisco Alves – o” Chico Viola” alcunhado também de o Rei da Voz. Por ser artista consagrado e idolatrado em todo o Brasil, as emissoras em sinal de luto tocavam ininterruptamente de seu vasto cancioneiro, um de seus maiores sucessos, a Canção – “Adeus Cinco Letras que Choram”. Cuja letra traz em sua composição, uma mensagem de certa forma, a coincidir efetivamente com o seu trágico passamento. Penso que isso teria sido levado em conta, o fato de estar sendo tocada em quase todas as emissoras. Ressalvando um raciocínio mais excelente.

Ia para a escola, por volta de meio dia. Das proximidades da linha férrea início da Rua Saldanha Marinho onde morava; passando pelas ruas e esquinas trajeto que percorria até chegar à escola, todas as casas pelas quais passava, os aparelhos de rádio pareciam estarem sintonizados numa única emissora. Todas tocavam uma única canção, cuja lembrança é impossível dissociar do meu querido grupo escolar “Domingos Bebiano”. ─ Adeus, adeus, adeus, cinco letras que choram/ num soluço de dor/adeus, adeus, adeus, é como fim de uma estrada/cortando a encruzilhada/ponto final de um romance de amor…

Pena que nos dorsos deste poema, assim como nas letras dos comerciais, aqui transcritos, não se possa ouvir, a exemplo das partituras musicais, a melodia, e os acordes maviosos imanente naquelas canções. Composições de fino gosto que tornaram aquelas ruas e becos pelos quais caminhei ainda mais belos e aconchegantes, e que ainda hoje, acalentam outras felizes recordações.

Parabéns minha querida escola “Domingos Bebiano” por tão profícua existência e vitoriosa caminhada. Que outros centenários venham, coroando sua promissora existência. Assim, mil outras histórias e fantasias com certeza, irão povoar igualmente mil outras mentes infantis, que por certo ao longo da jornada carinhosamente acolherá. Que as futuras gerações, por amor as artes e cada um consciente do seu papel na caminhada da história, empenhe-se, envidando todo esforço para perpetuar esta sua forma neoclássica, única, exuberante e bela.

Conselheiro Lafaiete 16 de setembro de 2011
Wilson Baêta de Assis

Membro Efeito da A.C.L.C.L. – Cad. 27

(3º lugar – Categoria especial no Concurso Literário Internacional “Prêmio Cidade de Conselheiro Lafaiete”.) – Versão 2011.

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1 comentário

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Maria Ignez Biagioni

Amei o texto! Emocionante reviver esses tempos. Abraço!

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