Artigo publicado em 25 de novembro de 2013 pela acadêmica Avelina Maria Noronha de Almeida resgatou marcas da pandemia que infectou 1/4 da população mundial no início do século XX

Acad. Avelina Maria Noronha de Almeida
avelinaconselheirolafaiete@gmail.com

O escritor mineiro AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA, um dos luminares da Literatura Brasileira de nossos dias, abordou, em uma de suas crônicas semanais no Estado de Minas, a “gripe espanhola”, que grassou no mundo em 1918, com a duração de três anos.

Na referida crônica é relatado um fato que muito me impressionou. Na tentativa de descobrir uma vacina contra a gripe,  alguns médicos resolveram realizar experiências em seres humanos, com prisioneiros da ilha de Deer, propondo a eles a absolvição de seus crimes, por piores que fossem, caso se submetessem aos testes. Os 62 presos selecionados, entre trezentos e tantos voluntários, FORAM SUBMETIDOS A COMPORTAMENTOS TÃO TERRÍVEIS que eu não tenho coragem de transcrevê-los (quem quiser conhecer detalhes sobre o assunto, é só ler a crônica do escritor do dia 19/03/06, no Estado de Minas). O ESPANTOSO É QUE NENHUM DOS PRESOS CONTRAIU A GRIPE, mas o médico da enfermaria contraiu-a e morreu em consequência…

Diz Affonso de Sant’Anna que a “espanhola”  infectou 600 milhões de pessoas e matou entre 20 milhões e 50 milhões, esclarecendo o autor que a diferença de 30 milhões é devida à falta de “estatísticas seguras nos países periféricos”. E prossegue: “Diz-se, no entanto, que 80% das baixas das tropas americanas na 1ª Guerra foram devidas à gripe e não às balas inimigas. Diz-se, também, que no Brasil houve, oficialmente, 35.240 óbitos, sendo 12.388 no Rio em 5.429 em São Paulo. Qual seria a estatística de Belo Horizonte, cidade no interior, então recém-criada?”

De Belo Horizonte o Arquivo Jair Noronha não tem conhecimento, mas pode informar a da cidade de Conselheiro Lafaiete, que na época se chamava Queluz.

(ESTES DADOS EU OS COPIEI DO LIVRO DE REGISTROS, DA ÉPOCA DE
QUELUZ, DA PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO).

Morreram de gripe espanhola:

outubro de 1918

diapessoas
271
282
292
301
311

novembro de 1918

diapessoas
011
022
033
042
053
075
082
092
105
119
1212
135
143
154
169
174*
1811
198
208
2110
223
233
243
254
262
277
303

*entre elas uma menina de 12 anos, Maria, irmã do museólogo Antônio Luís Perdigão Batista;

dezembro de 1918

diapessoas
13
22
31
41
51
64
82
92
111
131
142
151
171
212
221
232

Total: 170 pessoas morreram devido à gripe, (descontando 4 dias do final de dezembro nos 5 dias de outubro) num período de dois meses e um dia.

E é preciso considerar que isso foi apenas na área da cidade de Queluz (e não no município), uma cidade ainda bem pequena naquele princípio de século.

Dizem que, em certos dias, devido ano número de mortos, os “fabriqueiros” da matriz não davam conta  de fazer caixão para todos, e alguns tinham de ser enterrados em sacos de aniagem.

Para terminar capítulo tão triste de nossa história, quero narrar um fato que me contou minha mãe, Maria Augusta,  que suaviza um pouco o texto com o EXEMPLO QUE DÁ DE FRATERNIDADE ACIMA DE QUALQUER MEDO OU COMODISMO. Quando a gripe espanhola atingiu nossa cidade, a situação ficou gravíssima: havia casas em que não havia uma pessoa de pé para fazer comida. Minha avó Avelina, que morava na rua da Chapada, fazia caldeirões de sopa para levar nas casas das vítimas de gripe, e minha mãe, a filha mais velha, menina de 9 anos, acompanhava-a nas visitas.

Após alimentar os doentes, minha avó recolhia as roupas sujas e as levava para lavar. Depois consertava aquelas que precisavam de reparos, passava-as e mandava minha mãe, que na época tinha 9 anos,  entregar nas casas. E, graça de Deus, não houve nenhuma vítima da “gripe espanhola” na casa de minha avó.

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