Acad. Edézio Teixeira de Carvalho
Cadeira 04
Patrono: Waldemar Alves Baeta, geógrafo

Heráclito de Éfeso disse que um homem e um rio não tinham como encontrar-se mais de uma vez em suas vidas porque no eventual segundo encontro ambos seriam diferentes do que eram no primeiro encontro. Nascia aí um primeiro argumento geológico sobre a evolução física do planeta e biológica de seu principal ser vivo?

O leitor perdoe-me por ser repetitivo: parcelas superficiais das coberturas de solo podem ser arrastadas morro abaixo por águas movimentadas pela força da gravidade, sob impactos de sismos, mobilizadas pela força da gravidade nas chuvas e  degelo; podem ser incorporadas ao sopro dos vendavais, neste caso nem sempre levadas só para baixo, podendo atravessar oceanos e depositarem-se em cotas mais elevadas que as de saída. É claro que a gravidade predomina largamente às oscilações das ventanias e a movimentação de massas volumosas das áreas emersas para o mar pode provocar mecanismo global de compensação (massas continentais mais leves subindo consequentemente à perda de peso). Levando em consideração evidências de perdas de solo na agropecuária, construção viária, urbanização, todas essas perdas começando na exposição iniciada pela ferradura da tropa, casco do boi, chifre do touro, arado, trator da obra viária, sismo, jato vulcânico, pela corrente furiosa resultante desse conjunto todo, ou ainda pela pena da lei mal feita, admitiremos que modesto processo geológico de formação de solo compensará a irreparável perda? Observo exemplos dispersos pelo Brasil, desesperado, de solos transitando sempre correntes abaixo.

Exemplos: Rio Grande do Sul: Foz do Jacuí na lagoa dos Patos.  Santa Catarina: Joinville, bancos de areia aflorantes na baía de Babitonga. Paraná: Meandros entupidos e abandonados no Médio-Baixo Paraná. São Paulo: Bauru, sede de uma das maiores erosões urbanas do Brasil, e rio Bauru, bancos de sedimentos em trânsito para o Prata. Minas Gerais: Cachoeira do Campo, uma das principais fontes de sedimentos que entopem o alto Velhas. Rio de Janeiro: Chuvas de 2011 destruindo grande parte da serra fluminense provocando danos e 960 óbitos em Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo. Espírito Santo: Contemplado com o amargo rio de Doce nome. Saudadas das praias de areias negras. Bahia: Sede de grande parte da extensão do santo rio transitado quase continuamente por cordões de areia; o lago represado é como jazida submersa, capaz, quem sabe (?) de substituir o ouro negro de Lobato, com vantagem, porque recuperará não só território, mas a melhor parte deste porque será toda ela a parte do território que armazenará água. Sergipe: A sudeste de Nossa Senhora das Dores sequência de formas negativas semelhantes às resultantes de voçorocas extintas. Alagoas: A montante de Cururipe formas de drenagem implantadas sobre superfícies planas, com as porções em vales de encostas revestidas por formas arbóreo-arbustivas de aspecto homogêneo. Fundos de vale situados em direção ao mar inundados sem represamento, constituindo bom tema de reflexão. Melhores exemplos os dos rios Jequiá e Poxinzinho. Pernambuco: Recife, Veneza Brasileira, não deixa oportunidades para outras áreas.  O Parque Histórico Nacional dos Guararapes e Olinda, belas praias, felizmente quando sem o policiamento de tubarões e a poética Ilha de Itamaracá. Paraíba: Quem saia de casa para ver o nordeste pode optar por ver o povo, principalmente nas festas de meio de ano. No tema a Paraíba sempre tem destaque, mas quis ver o cabo Branco. Rio Grande do Norte: Costas chamam mais a atenção, de quem seja primário, que o interior. A costa é de combinações de dunas com rampas inclinadas da Formação Barreiras. Rios de perfis suaves chegam à costa com cursos meandrantes e repletos de corpos arenosos; lençóis  de areias brancas espalham-se sobre falésias da formação Barreiras em amplas faixas de sudeste para noroeste, na costa nordeste, às vezes separando áreas habitadas entre a costa e o interior. Ceará: Rios Jaguaribe e Banabuiu; costas de dunas; nos baixos Banabuiu/Jaguaribe muito extensos lençóis de areia. Piauí: Teresina no encontro do Poti com Parnaíba, ambos com cordões de areia. Maranhão: Destacam-se os Lençois  Maranhenses e, não menos curiosamente, a costa inteiramente recortada até a divisa com o Pará. Pará: Divisa com o Maranhão pelo rio Gurupi. Costa igualmente recortada desde a baía de São Luiz até o golfo por onde se descarrega o Tocantins iniciando o contorno da ilha de Marajó em cujo limite norte cai o Amazonas. Tem o Pará, junto à própria costa, duas feições excepcionais. Conduzo minha curiosidade para o recortado do litoral, junto com a parte do Maranhão, único em toda a costa Brasileira.  Amapá: Primeira fonte do Manganês brasileiro. Junto com o Pará, participa da margem norte da foz do Amazonas e completa suas divisas com o Suriname, a Guiana Francesa e a costa atlântica. Amazonas: Maior porção do nosso território; maior concentração da rede fluvial, maior extensão da floresta preservada; maior diversidade de fauna. Roraima: Importante divisa internacional com a Venezuela e a reserva indígena Raposa Serra do Sol. No plano físico destaca-se o Parque Nacional do Monte Roraima. Acre: Reservas extrativistas. Rondônia: Parques estaduais e reservas extrativistas. Matogrosso:  Marca a importante transição da Amazônia para o Sudeste agropastoril. Matogrosso do Sul: Resultante de desmembramento recente com capital em Campo Grande, além de Mato Grosso, faz divisas internas com o Sul e o Sudeste, constituindo importante polo agrícola. Goiás: Teve, juntamente com Matogrosso desenvolvimento acentuado pela implantação de Brasília. Cedeu também território a Tocantins. Tocantins: Desmembramento recente de Goiás, sua capital, Palmas, construída para a função, situada a leste do Tocantins. A leste da capital uma característica morfológica típica de formação impermeável do tipo filito e mais distante já nas vizinhanças com a Bahia a continuação de chapadas alongadas de direção norte-sul. Distrito Federal: Implantada Brasília em posição central do formato aproximado de retângulo formado por 2 paralelos unidos por linhas de talvegue nas extremidades leste e oeste. A constituição geológica é intensamente variada ocorrendo variações de densidade de drenagem com litologias do tipo filito determinando faixas com grande densidade de linhas de drenagem. Naturalmente o lago Paranoá e a área central urbanizada, além das cidades satélites, fazem do Distrito Federal área mais ocupada do que muitos estados brasileiros, especialmente da Amazônia.

Geólogo pouco andante pelo território brasileiro, conheço, certamente, menos de um milésimo dele a olho, menos de um décimo a mapa, e resolvi fazer o passeio via Google Earth que acabo de concluir em pleno domínio da COVID. Em alguns casos citei áreas de risco geológico sabidas, mas atentei para áreas surpreendentes, como foi o caso da porção ocidental do litoral maranhense e oriental do paraense largamente distintos de todo o restante do litoral brasileiro. Procurei prestar atenção a áreas de perdas de solos em curso, ou aparentemente estabilizadas, como foi o caso da porção citada no estado de Sergipe, que tem semelhança com cavidades de voçorocas mineiras, mas não com atividade tão intensa quanto as de pequeno afluente do Velhas, com o qual se junta no reservatório completamente assoreado da barragem de Rio de Pedras em Itabirito e, portanto, subafluente do São Francisco. Aproveito a oportunidade para lembrar que a hidrelétrica de Rio de Pedras é a primeira ou uma das primeiras fontes de suprimento energético de Belo Horizonte, mas o Maracujá, riozinho afluente do histórico Velhas nascido em Ouro Preto na contravertente do também histórico hoje amargo Doce, junto com o Velhas, tem machucado muito a modesta Raposos, depois de os dois terem espantado os navios de Sabará para baixo ainda no século XIX (ver no Morte e Vida São Francisco, livro deste autor, a litografia de Rugendas, século XIX, como prova de navegabilidade do Velhas de outrora)[1].

Chamo a atenção do povo brasileiro: Se deixamos dois episódios seguidos de inundações sobre Raposos ocorrerem porque não desassoreamos a represa do Maracujá-Velhas, quando iremos cuidar do São Francisco naquilo em que ele participa de uma forma de destruição de todo o território brasileiro? Sinto-me, assim, obrigado, juntamente com todos os engenheiros civis e de minas e de todos os geólogos e engenheiros geólogos a solicitar a atenção do senhor Governador do Estado, Romeu Zema, para que assuma o ato simbólico de mandar desassorear urgentemente o histórico reservatório de rio de Pedras.  

Andamos aí, o planetinha, perto dos 8 bilhões de habitantes, e, mal arrumado como está, ele não suporta mais, principalmente perdendo tanto solo ano a ano. Esquecemo-nos de que, muito mais do que sustentar a mata nativa, o milharal e a vaca, é o solo e não a chuva pesada que absorve e guarda a água (aproveito para recomendar ao legislador brasileiro que aprenda com a China, que suponho saber mais que nós, onde plantar o arroz). É assim que pensa geologia minimamente bem aplicada a proteger os solos das alturas e a devolver o solo do assoreamento dos rios, dos grandes reservatórios e dos portos assoreados para que cumpram seu papel geologicamente mais importante, qual seja o de capturar os aguaceiros das montanhas. Nosso território tem milhares de modalidades de exemplos físicos de perdas de solo, e temos geólogos, geógrafos, engenheiros agrônomos, civis, e de minas, biólogos, sendo ele perfeitamente receptivo à implantação da mineração corretiva, proposta no livro acima citado. Exemplo evidente seria remover o assoreamento da Pampulha e levá-lo para algo como a cava de Águas Claras, aumentando em 40 ou 50% a capacidade de armazenamento da Pampulha, reduzindo a inundação de 31/01, e estabilizando o talude da vertente da serra voltada para Nova Lima. Temos bilhões de situações parecidas, o equivalente a uns 30 anos de COVID 19, demandando ciência e arte de dezenas de milhares de profissionais como os citados. A população precisa de conhecimento geológico básico para habilitar-se a promover demandas. Sem conhecimento não há demandas.

O cuidar de nosso planeta, embora pequenino, requer cuidados especiais, e precisa contar com boas intervenções da extrema direita à extrema esquerda, mas como, se isto pressupõe diretrizes políticas adequadas ao fim, mas que fim a que se pode chegar com 20 por cento da população de países populosos e muito desiguais morrendo de fome e de doenças? Há um jeito. Todo cidadão consciente sabe que as ocorrências trágicas, inesperadas, como um sismo, uma chuva muito forte, uma grande inundação justificam a mobilização de quem esteja sadio para ajudar fisicamente os atingidos ou financeiramente para os mais necessitados. O que ocorre atualmente é como se todas as cidades do mundo estivessem sendo atingidas pelo mesmo evento. Portanto uma não necessariamente estará em condições de socorrer a outra. Os 80% menos atingidos, ou, diga-se, menos atingidos, podem ajudar, mas nem sempre têm iniciativas. Então penso: Somos representados por senadores, deputados federais, estaduais, vereadores, que, todos sabem que os todos mais ou menos 20% precisam não só de ajuda, mas de socorro financeiro. Deveriam, portanto, estudar forma de distribuir partes dos salários mais elevados para os mais atingidos, evidentemente com variações de porcentagens dos salários mais elevados até os menos elevados, não atingidos. Por exemplo, os do salário mínimo começariam com 1%; os de salários mais elevados, por exemplo, da ordem de RS 200.000,00, poderiam contribuir com 20%. Há uma vantagem em relação aos processos atuais de socorro comunitário? Sá se saberá com certeza em experimento (futuro, por certo). Toda a população contribuindo sem uma única exceção, inclusive, e muito especialmente, deputados, senadores, juízes do supremo, industriais. Uma vantagem que evento como o atual poderia deixar de impor seria provavelmente um número bem menor de atingidos por insuportável penúria. Um número muito menor perderia o emprego e manteria o sistema econômico funcionando quase a plena carga, muito diferentemente do que ocorre hoje, em que se critica muito o povo por estar passeando de bolsos vazios, ou praticando mais intensamente que o normal atos de violência desesperada.  Peço ao leitor que pense, e pode, naturalmente, criticar, mas não deixe de pensar na noosfera.  

Belo Horizonte, 27/06/20


[1] Se tais valores não mais importam à história mineira, que pelo menos protejamos a modesta Raposos, inundada em 2020, repetindo a grande cheia do século passado porque já então o reservatório de Rio de Pedras completamente assoreado estava! 

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