Mensagem para Avelina, por Carolina de Assis Barros
“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”
Guimarães Rosa
Sempre acreditei que aqueles que estão prestes a partir nos deixam alguma mensagem, ainda que de forma inconsciente. Muitas vezes, a mensagem esteve presente uma existência inteira, mas só somos capazes de compreendê-la com inteireza depois da partida, pois o correr da vida e dos dias tudo embaralha. Falo aqui daqueles raros momentos em que somos tomados pela compreensão de algo de forma profunda e demorada.
Encontrei professora Avelina pela última vez em 2019 e senti nela uma pura expressão de plenitude. Mal sabia eu que seria nosso último encontro. Seus olhos e sorriso rutilavam. Aquele olhar sábio, culto, e, ao mesmo, modesto. O sorriso inconfundível de sempre. Doce, cheio de vontade de viver. Sua marca registrada. Curioso como aquele sorriso tinha o mágico poder de chegar nos recintos antes dela, como que anunciando sua chegada. Aquele mesmo sorriso que ficou selado em minha memória ainda nos tempos da escola.
Depois que Avelina nos deixou, assisti seu último registro em vídeo e li sua última poesia. Queria eu encontrar alguma mensagem? Talvez, mas acabei confirmando a mensagem de uma vida toda.
Não foi surpresa encontrar aquele sorriso em vídeo. O olhar havia mudado um pouco desde o nosso último encontro. Compreensível. A vida havia apertado com ela. De lá para cá, duas perdas irreparáveis num curto espaço de tempo. No entanto, o sorriso estava lá, nos mostrando que a vida é assim mesmo, feita de altos e baixos e que mais vale ser vivida com plenitude até o seu último minuto.
Li a poesia. Foi como ouvir sua voz doce de professora recitando mais uma vez para mim. A mesma mensagem estava lá: “aproveitem o tempo de sua vida (…) e que toda manhã seja vivida na plenitude vista na janela”.
Mas você, leitor, sabe o que é plenitude? É o estado do que é inteiro, completo. Não há inteireza sem aceitação, sem o abraço incondicional da realidade. E Avelina foi assim. Inteira. Grande. Quer seja em sua família, quer seja lecionando, quer seja registrando a história da cidade, quer seja na vida, nos brindando com poesia. Por isso, seus olhos e sorriso sempre rutilavam. “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.” (Álvaro de Campos)
Descanse, minha querida. Não há mais razões para descrença ou sofrimento como registra sua derradeira poesia. A esperança nos assegura que você está nas mãos boas e fortes de Deus.
Levaremos à risca seus conselhos. Aproveitaremos a vida na sua plenitude, aceitaremos o enredo como ele nos vier e faremos o exercício corajoso do sorriso no rosto, aquele sorriso capaz de fazer a vida nos sorrir de volta, não importando se há frio, aperto ou desassossego.
Sabe, professora Avelina, sua ausência nos aperta, nos esfria e nos desinquieta, mas seu legado nos sossega e nos esquenta. Agora não só a vida nos pede coragem. Eu sei que você também nos pede coragem, seus familiares, amigos e ex-alunos.
Receba nossa gratidão (com plenitude) por suas mensagens, por sua existência e por seu legado. Obrigada por participar de minha formação, por me dirigir seu olhar e sorriso. Eterna gratidão.
Carolina de Assis Barros, ex-aluna, servidora pública.
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Claudia Noronha de Almeida
Carolina, impossível não me emocionar com tão bela descrição da minha preciosa. Sinto um misto de alegria, tristeza mas de imensa gratidão a Deus por meus 49 vividos ao lado dela. Nos últimos 14 anos dormíamos juntas, sempre fomos cúmplices, parceiras nas proezas e as vezes eu ficava meio brava, mas executava tudo o que ela queria. Onde uma estava a outra estava grudadinha. Era só ela imaginar, e eu dava um jeito de realizar. Sinto um vazio imenso mas sei que de um jeito só dela, vai fazer fluir as coisas por aqui. Grata pelo seu carinho.
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