“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”

Guimarães Rosa
Avelina e Carolina em 2019 no Solar do Barão de Suassuhy/ ₢MicaelaFreire

Sempre acreditei que aqueles que estão prestes a partir nos deixam alguma mensagem, ainda que de forma inconsciente. Muitas vezes, a mensagem esteve presente uma existência inteira, mas só somos capazes de compreendê-la com inteireza depois da partida, pois o correr da vida e dos dias tudo embaralha. Falo aqui daqueles raros momentos em que somos tomados pela compreensão de algo de forma profunda e demorada.

Encontrei professora Avelina pela última vez em 2019 e senti nela uma pura expressão de plenitude. Mal sabia eu que seria nosso último encontro. Seus olhos e sorriso rutilavam. Aquele olhar sábio, culto, e, ao mesmo, modesto. O sorriso inconfundível de sempre. Doce, cheio de vontade de viver. Sua marca registrada. Curioso como aquele sorriso tinha o mágico poder de chegar nos recintos antes dela, como que anunciando sua chegada. Aquele mesmo sorriso que ficou selado em minha memória ainda nos tempos da escola.

​​Depois que Avelina nos deixou, assisti seu último registro em vídeo e li sua última poesia. Queria eu encontrar alguma mensagem? Talvez, mas acabei confirmando a mensagem de uma vida toda.

Não foi surpresa encontrar aquele sorriso em vídeo. O olhar havia mudado um pouco desde o nosso último encontro. Compreensível. A vida havia apertado com ela. De lá para cá, duas perdas irreparáveis num curto espaço de tempo. No entanto, o sorriso estava lá, nos mostrando que a vida é assim mesmo, feita de altos e baixos e que mais vale ser vivida com plenitude até o seu último minuto.

Li a poesia. Foi como ouvir sua voz doce de professora recitando mais uma vez para mim. A mesma mensagem estava lá: “aproveitem o tempo de sua vida (…) e que toda manhã seja vivida na plenitude vista na janela”.

Mas você, leitor, sabe o que é plenitude? É o estado do que é inteiro, completo. Não há inteireza sem aceitação, sem o abraço incondicional da realidade.  E Avelina foi assim. Inteira. Grande. Quer seja em sua família, quer seja lecionando, quer seja registrando a história da cidade, quer seja na vida, nos brindando com poesia. Por isso, seus olhos e sorriso sempre rutilavam. “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.” (Álvaro de Campos)

Descanse, minha querida. Não há mais razões para descrença ou sofrimento como registra sua derradeira poesia. A esperança nos assegura que você está nas mãos boas e fortes de Deus.

Levaremos à risca seus conselhos. Aproveitaremos a vida na sua plenitude, aceitaremos o enredo como ele nos vier e faremos o exercício corajoso do sorriso no rosto, aquele sorriso capaz de fazer a vida nos sorrir de volta, não importando se há frio, aperto ou desassossego.

Sabe, professora Avelina, sua ausência nos aperta, nos esfria e nos desinquieta, mas seu legado nos sossega e nos esquenta. Agora não só a vida nos pede coragem. Eu sei que você também nos pede coragem, seus familiares, amigos e ex-alunos.

Receba nossa gratidão (com plenitude) por suas mensagens, por sua existência e por seu legado. Obrigada por participar de minha formação, por me dirigir seu olhar e sorriso. Eterna gratidão.

Carolina de Assis Barros, ex-aluna, servidora pública.

1 comentário

  1. Carolina, impossível não me emocionar com tão bela descrição da minha preciosa. Sinto um misto de alegria, tristeza mas de imensa gratidão a Deus por meus 49 vividos ao lado dela. Nos últimos 14 anos dormíamos juntas, sempre fomos cúmplices, parceiras nas proezas e as vezes eu ficava meio brava, mas executava tudo o que ela queria. Onde uma estava a outra estava grudadinha. Era só ela imaginar, e eu dava um jeito de realizar. Sinto um vazio imenso mas sei que de um jeito só dela, vai fazer fluir as coisas por aqui. Grata pelo seu carinho.

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