Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente*

Acad. Waidd Francis
Cadeira 06
Patrona Profa. Maria Augusta Noronha

O momento em que vivemos não parece real. A impressão é de estarmos protagonizando o roteiro de um filme, dentro do contexto de um pesadelo; e o desejo de todos é,  ao acordarmos em uma manhã qualquer, vermos tudo em seu devido lugar: pessoas indo e vindo para o trabalho, vozerio pelas ruas, ônibus repletos de pessoas, reuniões de família, encontros com amigos, e a retomada de uma das mais importantes liberdades que o cidadão já conquistou, a liberdade de ir e vir, sem nenhum receio.

Mas não, somos visitados diuturnamente pelas consequências do que a Covid 19 tem causado ao Brasil e ao mundo, como se não bastassem as perdas dos amigos e dos parentes. Em nosso país, nos últimos dias, foram notificadas, em média, 1000 mortes diárias, número talvez em ascensão.

E como será a vida após a pandemia? difícil saber e até mesmo imaginar. Quantos de nós mudaremos os próprios hábitos, nossa forma de viver e de ver o mundo?

Os laboratórios empenham-se na descoberta de vacinas, e essa talvez seja a nossa maior esperança para a devolução da vida normal a todos nós, ou o mais próximo dela.

Uma vacina eficaz poderá colocar-nos de volta a março de 2020. Mas cada um de nós terá uma percepção, uma experiência  diferente sobre tudo o que acontecera, porque somos únicos. 

Os aspectos que envolvem cada um de nós  irão variar. As perdas, e sua forma particular de lidarmos com elas, questões profissionais, o fim de relacionamentos, problemas financeiros, perda de pessoas próximas, e cada um reagirá à sua maneira.

Mas, por outro lado, o que estamos aprendendo e conhecendo com essa situação? Fomos conduzidos ao isolamento social, afastamo-nos de muitos, mas, ao mesmo tempo, aproximamo-nos de outros, pessoas queridas, e vários de nós nem imaginávamos que poderia ser tão bom, tão enriquecedor.

Ansiamos pelo retorno ao mundo normal. Mas qual normalidade queremos? Uma das frases que mais circularam em jornais e blog’s nas últimas semanas remete-nos a uma reflexão.

Não podemos voltar ao normal, porque o normal era exatamente o problema. Precisamos voltar melhores. Menos egoístas. Mais solidários”.

Em recente artigo publicado no Folha de São Paulo, o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), ressalta a importância de repensarmos a situação anterior, num  mundo em que os 22 homens mais ricos da Terra têm mais riqueza do que a de todas as 325 milhões de mulheres da África somadas. 7 milhões de pessoas morrem todo ano por conta da poluição do ar, e um em cada 4 habitantes do planeta vive sem saneamento básico. 

Talvez seja o exato momento de pensarmos qual normalidade queremos, em detrimento daquelas a que estávamos habituados: consumo desenfreado, poluição, desmatamento em grande escala, desigualdade social, banalização da violência, intolerância, dentre tantas outras que retiram nossas características de seres humanos vivendo em sociedade.

Em uma breve visita ao Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, da editora Positivo, em um dos seus verbetes temos: “Normal = habitual, natural”. Podemos avaliar que aquele estado de coisas anterior à pandemia poderia ser habitual, mas poderíamos considerá-lo realmente natural ?

Bento José de Oliveira, em artigo publicado nesta mesma coluna, na edição 1526/2020, intitulado “O mundo pós-pandemia”, remete-nos a uma questão: “é hora de nos prepararmos para o mundo pós-pandemia, melhor em muitos aspectos, mas extremamente desafiador em outros…”

E esta talvez seja a primeira pergunta antes de começarmos o grande desafio: Qual normalidade queremos?

*O bêbado e o equilibrista – Aldir Blanc e João Bosco

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