Mineração corretiva

Acadêmico Edézio Teixeira de Carvalho*

Lancei recentemente o livro Morte e Vida São Francisco, onde falo simbolicamente do São Francisco como rio importante da nossa hidrografia por drenar grandes partes do Sudeste e do Nordeste. Escrevi artigos sobre ele, destacando o fato de perceber rota para a morte anunciada, de certo modo lembrando Heráclito de Éfeso. Tenho convivência duradoura com o Velhas, afluente principal por nascer em Ouro Preto e passar pela região Metropolitana de Minas. Antes de falar diretamente dele cheguei a falar do território que o sustenta no centro de Minas Gerais, chamado “caixa d’água” do Brasil, ao qual tenho atribuído a condição de toda rota, tal a devastação que ao longo de curta história vem sofrendo com o processo erosivo multifacetado. Hoje, do meu terraço no Carmo, observo fachadas que, pelo branco dominante, lembraram-me as de Albufeira, a Branca, bela cidade dos irmãos portugueses. E então fico a pensar (sem fazer contas): Belo Horizonte é feita com produto mineral em volume maior que todo o produto mineral de metálicos do Quadrilátero Ferrífero, e passei a olhar as paredes de minha casa: Vidro, aço, metais e ligas diversas, tijolos, areia, cimento, rochas ornamentais do leste mineiro, placas rochosas de revestimentos, terra em vasos e cavidades para plantas comestíveis e ornamentais. Prodigiosa supremacia da atividade mineral em comparação com móveis, portas e assoalhos de madeira. E não falei da água, também em parte produto da atividade mineral, que passa todo dia pela casa.

A mineração é isto! Não é só minério de Ferro e similares, que, segundo não versados em geologia e mineração, não deveriam “em nenhuma hipótese” ser lavrados naquela serra (haveriam de sê-lo onde não há minério?), onde vejo acima alguns perfis sendo afetados, também, por ruas, avenidas, casas, aterros. Acidentes gravíssimos presenciamos recentemente na mineração, merecedores, certamente, de penas rigorosas, muito superiores, por exemplo, às aplicadas (?) aos casos que resultaram em milhares (5 ou 6.000) de mortes no Rio e Serra das Araras (em 1967?), 960 na serra fluminense em 2011, 3600 em Longarone na Itália, consequente ao transbordamento da barragem de Vajont, 350 em Malpasset na França, 286 muito recentemente em Stava na província de Trento na mesma Itália, exatamente em barragem de rejeito de não ferrosos, e na década de 1960 no país de Gales, aldeia de Aberfan, onde o escorregamento de pilha de estéril em mina de carvão, depois de repetidas rupturas menores, matou mais de 200 pessoas, entre elas 64 crianças, todas as de sua faixa etária na pequena vila, em escola infantil situada exatamente na rota do desastre!

O que tem a mineração corretiva a ver com o acima exposto? Quase todo o território brasileiro, com menor intensidade na Amazônia e em planícies menores, é profundamente afetado pelo processo erosivo, que deve ser tratado com base no conhecimento geológico que pode identificar constituição, comportamento e a forma de resolvê-lo. O solo erodido (não renovável, em termos práticos, como todos deveriam saber), desce pelos rios e assoreia pampulhas e similares, além dos próprios leitos, até os portos. Em muitas voçorocas e ravinas secas deixam imensos volumes de vazios. As cavidades são o destino ideal do solo que assoreia reservatórios e cursos dos rios de onde deve ser buscado de volta. A evidentemente destruidora lei que permite essa dupla perda decorre do fato de o Brasil ser nulo em linguagem geológica. Leia-se o Morte e Vida São Francisco e ver-se-á que Engenheiros de Minas e demais terão muitos bilhões de toneladas de jazidas a lavrar para salvar o país do evidentemente maior de todos os seus desastres ambientais.    

Belo Horizonte, 29/09/2019

*Membro-Efetivo da ACLCL é Engenheiro Geólogo

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