Discurso da Acad. Leila Barbosa em memória da Acad. Nathércia Mendes
Acadêmica Leila Barbosa
Excelenstíssimo Sr. Moises Mota, DD Presidente da ACLCL
Prezados Acadêmicos,
Senhores Convidados!
Abri o livro “SOS, Sonetos etc” de autoria de Nathércia como se fosse um texto sagrado: com profunda reverência. Afinal quem era a prima Nathércia, pianista e acadêmica, sempre tão discreta?
Ao reclamar na adolescência de que sua família não reconhecia seus méritos literário, escreveu: “Não percebem que poesia é como confissão em que a pessoa se expõe inteira e nua?”
Realmente, naquele livro, você revela os sentimentos mais recôndidos da sua alma.
“Sou gente mineira em montanhas gerada,
nascida entre os berços mais tradicionais” confessa em “Minha Gente”.
Órfã de mãe aos 13 anos, com cinco irmãos para serem criados, Nathércia amadureceu precocemente. Tivera uma mãe admirável! Professora de música do Grupo Escolar “Domingos Bebiano”, incentivara a filha para que se tornasse também pianista. Perfeccionista, Nathércia se esforçava ao máximo para imitá-la em tudo: boa dona de casa, requintada na arte de cozinhar, excelente profissional, apreciadora da boa literatura.
Carregava no nome Nathércia o anagrama de Catherina, amor proibido do maior poeta portigues.
“Onde está a menina que eu fui?
Tímida, calada, pensativa,
estudando piano direitinho,
tão pouco criança?” (Metamorfose)
Assim se define no poema Autorretrato:
“andarilha solitária vida afora,
rolada, batida, pisada, sofrida,
Caminho inteira e de pé,
Sem ceder, sem cair,
Sou feita de pedra.”
Até a morte da mãe, Nathércia teve uma infância feliz: “Pai, mãe, seis crianças, cachorro, empregada.”
“Alegre algazarra e também algum choro;
Comida bem-feita no fogão de lenha, biscoitos de Dona Maria Luísa”.
“A morte, as tristezas parecem mau sonho.
Hoje, acordo e pergunto: infância onde está?
Lembrança que o tempo jamais apagou
saudade doendo no meu coração”…
A ausência da Mãe é uma dor constante.
“Nunca tive um dia das Mães, com minha mãe!”
Entretanto Nathércia reconhece a habilidade de suas mãos: “Gosto de fazer coisas com as mãos: (desenhas, tocar piano, costurar, cozinhar…)
“Honestas e trabalhadoras mãos
que no vai e vem da vida
fazem tudo com amor.”
Em Metamorose, Nathércia analisa a irremediável passagem do tempo, principalmente, em sua vida:
“O tempo vai passando e vai mudando
as pessoas, as coisas, os sentimentos.
A alegria se faz triste num instante,
os sorrisos se transformam em pranto,
Hoje, olho para trás
e não me vejo.
Parto em busca de mim mesma
e não me encontro.”
A poetisa reconhece que existe nela uma dualidade: em misto de Marta e Maria.
“Eu te agradeço, Senhor, porque me deste as diligentes mãos de Marta que trabalham, e sinto que puseste, /no meu peito/ o coração apaixonado de Maria, que ama e espera!
No poema “Ao pôr do sol”, canta docemente o entardecer: “O sol de ouro, a brisa, o céu risonho, tudo se esvai no entardecer de sonho, que a natureza tece levemente. A natureza é um lugar de refúgio, fonte de inspiração, de proteção amiga.“
No poema “Balada do Tempo” associa as mutações do dia às fases da vida.
“Infância, adolescência, juventude,
Maturidade, velhice, decrepitude,
Nossa vida é apenas um dia, no infitino”
Enfim, parece que Nathércia encontra o verdadeiro amor:
“O amor vai chegando de mansinho
e mansamente abre meu coração,
faz nascer rosas onde havia espinho.
E nascer flores no mais duro chão.” (O amor e o sonho)
O individualismo romântico considera que o espírito humano busca sempre a perfeição, o infinito, o absoluto. Pela própria condição humana, o absoluto é inatingível o que gera insatisfação e amargura. A poetisa descobre que era ilusão aquilo que sonhara e amor é apenas uma palavra.
Despertando para a realidade, Nathércia encontra amparo no próprio entendimento e na arte de transformar sua dor em poesia, para que ela seja transfigurada pela beleza. (Rubem Alves)
São belíssimos os sonetos de sua autoria: Fim de linha, Ao pôr do sol, Balada do Tempo, Busca Inútil, cujos temas são universais.
Quanto mistério encerra uma vida humana desde a sua concepção até o último suspiro!
“De braços abertos, alegre e tristonha,
Altiva e humilde, trabalha, mas sonha
– sou gente mineira de Minas Gerais!”
Assim Nathércia acolheu o dom da vida: “de braços abertos” e foi forte, corajosa e guerreira.
O ser humano em tudo que faz de belo e digno não é senão o instrumento de seu Criador.
A Deus, pois, toda honra e toda glória pela existência da acadêmica fundadora, Nathércia Mendes, que ocupou a cadeira 18 da ACLCL, dignificando-a com seu talento e virtudes.
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