Despejo na favela Não tem nada não, seu doutor… não tem nada não… amanhã mesmo vou deixar meu barracão. *

Waidd Francis
Cadeira 06
Patrona Profa. Maria Augusta Noronha

Professor da FDCL

O termo identificação projetiva pode ser encontrado no dicionário do pensamento kleiniano, de R. D. Hinshelwood, editora Artes Médicas.

“A identificação projetiva normal deu origem a uma compreensão da empatia e do efeito terapêutico da psicanálise. ‘Colocar-se no lugar de alguém’ é uma descrição da empatia, mas é também uma fantasia do tipo identificação projetiva: inserir-se na posição de outra pessoa”.

Em meio a tantos problemas trazidos ou agravados pela pandemia, mais um merece uma reflexão de todos nós que optamos viver em sociedade, com a finalidade do bem comum a todas e a todos.

A recente ação da prefeitura de São Paulo com a instalação de pedras debaixo do viaduto Tatuapé, com a nítida intenção de afastar os moradores de rua que ali se instalavam – nego-me aqui a utilizar a expressão “residiam”- chamou a atenção de muitos para um problema que subsiste há bastante tempo em várias cidades brasileiras.

A malfadada atitude mencionada acima, conhecida como “arquitetura dos excluídos”, em que são instalados obstáculos para que as pessoas não possam tentar ao menos descansar por algumas horas, como as divisórias de ferro colocadas em cima de bancos da praça para impedir que as pessoas se deitem, chuveirinhos nas marquises, dentre tantos outros, não foi a primeira tentativa de acobertar e não resolver um problema tão grave, e infelizmente não será a última. Resta lembrar que não são somente os
gestores públicos da cidade de São Paulo que tentam resolver esse problema social dessa forma. Outras cidades também já o fizeram e fazem.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, deixa claro o direito à moradia.

Art. 6º – São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Cumpre ressaltar que temos atualmente mais de 6 milhões de famílias que vivem em favelas, cortiços ou ocupações ilegais, nesse caso enquadram-se domicílios improvisados, rústicos, domicílios em cômodos, com ônus excessivo de aluguel, domicílios adensados e domicílios em coabitação.

Quando fazemos uma rápida pesquisa, podemos concluir que isso não aconteceu por acaso, mas é consequência de uma longa trajetória de políticas sociais mal elaboradas e executadas.

Dentro do mesmo contexto, temos no Brasil quase 8 milhões de imóveis abandonados, sendo 80% deles em área urbana.

Não menos importante, ocorreu um crescimento da população em situação de rua. Aumentou em 140% a partir de 2012, chegando a quase 222 mil brasileiros em março de 2020, segundo o IPEA.

No Brasil temos uma vasta legislação para enfrentarmos essa questão, dentre elas a própria Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Cidade – Lei n. 10.257/2001 e a Lei 11.977/2009.

A pandemia do coronavirus tem nos mostrado o quanto somos frágeis, seja em função do distanciamento social e os problemas psíquicos que isso acarreta, seja em função da instabilidade da nossa economia, ou mesmo pela nossa própria fragilidade como seres humanos, dependentes de tudo e principalmente de todos.

Momento ideal para utilizarmos da identificação projetiva para pensarmos no outro, e não num outro tão distante, às vezes, mas nesse brasileiro, que assim como nós, precisa de saúde, segurança e bem estar, e principalmente acolhimento, para ele, sua esposa e também para seus filhos.


Segundo a psicanalista Silvia Bleichmar “crueldade é a indiferença ao sofrimento do outro”.

*Despejo na favela – Adoniram Barbosa.
Artigo publicado no jornal Correio da Cidade no dia 27/02/2021.

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