Waidd Francis
Cadeira 06
Patrona Profa. Maria Augusta Noronha

Professor da FDCL

Isabel Godinho de Lima
Advogada e Mestre em Direito pela PUC-Rio.


Segundo o dicionário da língua portuguesa, Silveira Bueno, o termo invisibilidade significa “qualidade do que não pode ser apreciado pela vista comum”. No entanto, na atual sociedade brasileira, de modo quase geral, esse significado tem-se mostrado mais abrangente.

Além da desigualdade histórica presente nas camadas da sociedade brasileira, a situação econômica agravou-se nos últimos tempos, fruto de políticas econômicas insuficientes.

Surgiu também um vírus que, somente no Brasil, ceifou a vida de mais 600 mil pessoas e há agora uma guerra entre Rússia e Ucrânia. Porém, você, neste momento, pode se perguntar o que esses fatos têm a ver com invisibilidade.

Ora, todas essas circunstâncias, quando analisadas como um todo, tem provocado o aumento da vulnerabilidade social de cidadãs e cidadãos brasileiros e restam por fomentar uma cultura individualista e competitiva presentes nas relações atuais.

Essa cultura tem atingido inclusive as famílias e sugere uma desconstrução do olhar para o outro como seu semelhante e destinatário de atenção, escuta, solidariedade e, principalmente, direitos. Desse modo, vulnerabilidade e invisibilidade estão diretamente conectados.

Mas, ao mencionar invisibilidade é necessário questionar em relação “a que” ou “a quem”. Pois bem, talvez o primeiro e mais básico direito quando se refere ao reconhecimento do outro enquanto ser humano, ou seja, de ser visível, é ser registrado, ao nascer, em um Cartório de Registro Civil. Isso é uma prova que nascemos com vida, e, a partir daí, nossos direitos ampliam-se. Porém, nem todos no Brasil têm o privilégio de ter esse direito efetivado.

O professor da FDCL, Renato Armanelli Gibson, em seu discurso como paraninfo na Colação de Grau realizada no dia 04/03/2022, provocou uma reflexão sobre esse tipo de invisibilidade. Armanelli citou a obra da jornalista cearense Fernanda da Escóssia, que realizou uma pesquisa baseada nos dados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sobre as pessoas que não possuem sequer a Certidão de Nascimento.

Esses seres humanos buscam, por meio do processo de obtenção da certidão, a efetivação do direito de serem vistas, de poderem ter seus demais direitos e cidadania realizados. Em outras palavras, procuram ser reconhecidas como pessoas –porque, oficialmente, não o são.

Ainda segundo o professor, “a questão da invisibilidade é mais grave e cruel do que parece. Isso porque, os atos de ver e de ser visto envolvem uma validação recíproca entre pessoas, que nos permitem compreender quem somos e qual lugar ocupamos no mundo”.

Nos últimos anos, de acordo com dados obtidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de pessoas em situação de rua cresceu 140% entre 2012 e março de 2020. Já segundo o jornal “O Estado de São Paulo”, edição publicada em 27 de janeiro de 2022, cerca de 20 milhões de brasileiros se alimentam dia sim, dia não, e 5 milhões de crianças dormem com fome. Quem seriam esses adultos e crianças? São invisíveis à outra parcela da sociedade, demonstradas apenas por um número.

Nós brasileiros somos considerados solidários, mas na realidade, ainda conforme o jornal, em comparação com outros países, os indicadores de filantropia no Brasil permanecem medíocres e, desde 2020, a curva de doações diminuiu muito.

E ainda temos mais um elemento nessa triste e preocupante análise. Há pessoas que trabalham para manter o seu sustento. Mas, mesmo assim, sofrem discriminação no trabalho, opressão, assédio moral, e diante do baixo salário alimentam-se mal, dormem mal, não conseguem acesso a bens e serviços e, principalmente, à cultura e à alguma forma de ascensão social.

São pessoas que conhecem a cor amarela da fome. Que percebem quão horrível é ter só ar dentro do estomago, nos dizeres de Carolina Maria de Jesus, na obra “Quarto de Despejo”. São Macabéas, personagem do romance “A hora da estrela”, de Clarice Linspector, que seguem suas vidas de forma invisível. São pessoas que, não raras vezes, estão perto de mim e de você, mas que passam perto de nós sem passar – ou melhor, que nossos olhos mesmo enxergando não veem.

Precisamos de políticas públicas bem planejadas, com porta de entrada, mas também de saída. Não queremos ver os nossos semelhantes que dividem o mesmo espaço dependentes de políticas emergenciais ou temporárias. Queremos ver a cidadã e o cidadão emancipados por políticas públicas de Estado, bem pensadas e bem articuladas. Vale ressaltar que essas políticas são bancadas com o nosso dinheiro que vertemos em forma de impostos. Queremos pessoas com lenço e com documento – e
com tudo aquilo que tem direito. Queremos pessoas emancipadas nos moldes previstos na Constituição da República Federativa do Brasil. Queremos pessoas que não façam parte de uma sociedade que os trate como invisíveis mesmo sendo visíveis a quem quer que deseje ver, a quem não tem a vista comum.

*Alegria, alegria – Caetano Veloso.

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